A dramática beleza de Jojo Rabbit

Eline
4 min readFeb 9, 2020

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Ontem aproveitei o dia chuvoso para assistir Jojo Rabbit, que era o único dos indicados à categoria de Melhor Filme do Oscar que eu ainda não havia assistido. Confesso que, a julgar pelo trailer, eu não estava nada animada para ver o longa-metragem: a ideia de um filme “pastelão” onde um garotinho tem como amigo imaginário o Hitler não passava para mim. A proposta não me pareceu interessante, especialmente por se tratar de um assunto tão delicado. À primeira vista, soou como se os escritores e produtores estivessem desdenhando da seriedade histórico-social que serve de pano de fundo para a história de Jojo.

Mas talvez eu tenha levado tudo muito a sério antes mesmo de ver o filme. Felizmente, não deixei minhas opiniões pré-concebidas me deterem de assistir à obra do diretor Taika Waititi.

Ah, e cabe lembrar que eu não li nenhuma resenha crítica a respeito de Jojo Rabbit antes de escrever este textinho, então tudo o que irei escrever aqui é “autêntico”.

Minha primeira impressão positiva foi logo na abertura/créditos iniciais: ao som de uma versão alemã de “I Wanna Hold Your Hand”, a montagem de abertura mostra tanto o pequeno Jojo exibindo seu (ingênuo) orgulho de ser um pequeno nazista, quanto cenas reais das reverências ao Führer. Logo aí já existe um contraponto para todos que, como eu, acharam que o filme partiria para a “apelação ferrenha” do culto ao líder. Se você começou o filme achando que o pequeno protagonista é exageradamente obcecado pelo líder de sua nação, logo você nota que existiram vários “Jojos” reais, seja por acreditarem na ideologia nazista, seja por medo, comodismo ou por desejarem, assim como o garoto, “fazer parte de um clube”.

O início do longa-metragem consegue ser leve, porém o tom apelativo serve de ferramenta para expor o ridículo e fazer a crítica ao regime. O amigo imaginário de Jojo aparece bastante nos primeiros minutos, mas aos poucos vai desaparecendo e retornando em pontos críticos. Creio que isso seja devido ao fanatismo cego que o garoto mantinha, mas que vai se apagando à medida que ele começa a enxergar, do jeito dele, o outro lado da moeda (isto é, após conhecer Elsa, a garota judia que a mãe escondia na casa). O “amigo Adolf” torna-se clara paulatinamente a voz do “capetinha” que todos nós carregamos na consciência e nos leva a tomar decisões erradas. No final das contas, achei essa alegoria geniosa.

A questão da violência da guerra é um ponto inevitável em qualquer filme que retrata a Alemanha de 1939 a 1945. Em Jojo, ela começa sorrateiramente, mostrando primeiro o acampamento e as atividades proporcionadas para as crianças da juventude hitlerista. Aos poucos, acompanhamos o progresso do garoto ao descobrir que a guerra não é brincadeira na vida real. Não é só uma gincana para jogar granadas e brincar de trincheira.

Apesar de ele ser uma criança, ele entende que as coisas vão ficando cada vez mais sérias no mundo dele. Seria o pai dele um desertor? E aquela menina judia, o que fazer com ela? Entregá-la? Continuar a descobrir mais sobre a “raça” dela? O que a mãe dele está fazendo pela cidade? Por aí vai muito drama, até culminar na batalha em que os alemães, já cientes da derrota, tomam medidas desesperadas contra os americanos. É criança com arma, homens com membros amputados apertando o gatilho e correndo, camponeses com equipamentos rudimentares tentando se lutar… e os corpos dos mortos não são poupados de apareceram na telinha. Claro, não são mostrados de modo grotesco, como no concorrente 1917 (filme o qual, apesar de tratar da temática de guerra, tem uma abordagem nitidamente diferente). Mas estão ali, e aquela criança está presenciando tudo aquilo.

A beleza e o drama caminham lado a lado nesse filme, e para isso os atores desempenham um papel fenomenal. Temos belíssimas cenas entre Jojo e a mãe, interpretada pela Scarlett Johansson, mas também temos a cena em que ele vê o corpo dela pendurado após ser enforcado em uma praça. Temos a comicidade do capitão bêbado, interpretado por Sam Rockwell, e o momento em que ele enxota Jojo de presenciar as execuções à queima-roupa, chamando o garoto de judeu para que os americanos o tirassem do recinto. Temos o amigo do garoto, Yorkie, que parece animado para se “alistar”, mas no final quer voltar para casa e receber o afago da mãe (afinal, ele é apenas uma criança). Temos a jovem Elsa, que, apesar de trancafiada em um quarto, ainda sonha em ser uma mulher livre, que vai ao Marrocos, que bebe vinho, que ilude amantes, que dança.

A paleta de cores, a composição das cenas e a trilha sonora do longa foram igualmente exuberantes para o storytelling. Com tons quentes e vibrantes nas cenas de comicidade e alegria, e tons neutros e frios nos momentos dramáticos, as imagens fazem o contraponto ideal para refletir a história. A simetria dos enquadramentos (e um pouco das cores também) me lembrou os filmes do Wes Anderson, o que eu gostei bastante. E a trilha sonora… bem, ela é colocada para ser estranhamente familiar, com músicas que todo mundo conhece cantadas em alemão.

Enfim, o filme me agradou tanto que quase não tenho críticas ruins a respeito dele (as poucas que tenho são mais em relação a picuinhas técnicas). Jojo Rabbit é uma criação autêntica. Ela utiliza um recurso bastante explorado em filmes e na literatura, de modo geral, para inserir leveza em um tema pesado: narrar a história pelo ponto de vista de uma criança. Fazem isso em narrativas como Projeto Flórida, O Quarto de Jack, O Menino do Pijama Listrado, A Noviça Rebelde, As Crônicas de Nárnia, O Sol é Para Todos, David Copperfield, Anne of Green Gables, etc… A jogada é geniosa e bem trabalhada. Enfim, vale a pena assistir e se deleitar na surpresa e na reflexão da beleza dramática do enredo.

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